26/08/2015

Valor: As perspectivas (sombrias) para o crédito habitacional

O que se vê, já, é a retração, o encarecimento e a elitização do crédito habitacional no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Tudo aponta para o aumento da pressão sobre o FGTS, que já sofreu ampliação do orçamento do Pró-Cotista para vir ao socorro da redução dos financiamentos pela poupança

De janeiro a julho deste ano a poupança apresentou sucessivas perdas de captação líquida, com redução do estoque de R$ 522,3 bilhões, em dezembro de 2014, para R$ 504,6 bilhões em julho de 2015. Isto indica a retração da oferta de crédito pelo SBPE, justamente porque a Caixa já se encontra muito alavancada e a regulamentação permite que os bancos privados apliquem apenas 38% (abril-15) dos recursos captados em poupança no financiamento habitacional nas condições do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

A alteração recente na regulamentação é pouco efetiva no sentido de ampliar a oferta de crédito pelo SFH e aponta para a piora nas suas condições. 

Os bancos privados nacionais não têm tanto apetite para o crédito habitacional e não pretendem ampliar a carteira; pelo contrário, a tendência é de redução. Na resolução 4410, ao elevar o compulsório em 4,5% (transferindo parte do antes obrigatoriamente encarteirado em títulos públicos) e, ao mesmo tempo, conceder redução desses 4,5% por meio da dedução de parte do saldo dos financiamentos habitacionais, o Banco Central dá aos bancos privados a escolha entre aumentar sua carteira de crédito habitacional ou comprar CRIs com lastro SFH para recompor o direcionamento. Estamos falando de cerca de R$ 11 bilhões. Caso não sejam utilizados de uma ou outra forma, o BC os recolhe a um custo bem mais barato que Selic.

O que se vê, já, é a retração, o encarecimento e a elitização do crédito habitacional no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Tudo aponta para o aumento da pressão sobre o FGTS, que já sofreu ampliação do orçamento do Pró-Cotista para vir ao socorro da redução dos financiamentos pela poupança.

O FGTS também apresenta contradições e perdas de oportunidade. Ao longo da última década, restrito a rendas de até R$ 5,4 mil, o FGTS vinha expandindo o financiamento downmarket, permitindo o acesso a famílias antes excluídas. As aplicações em financiamento habitacional aumentaram de 29% dos ativos em dezembro de 2008 para 43% em dezembro de 2013. Ainda há, portanto, espaço para crescer sua carteira de crédito habitacional e para baixar as taxas de juros cobradas, dado o seu baixo custo de captação (3% a.a. +TR).

O conjunto de aplicações do Fundo - que compreende, além dos empréstimos, títulos públicos, aplicações financeiras e o FIFGTS - proporciona um mix de rentabilidade, cuja diferença em relação ao rendimento pago aos cotistas vem construindo um patrimônio líquido bilionário, de R$ 64,6 bi (dezembro de 2013), que, segundo matéria recente do Valor, saltou para R$ 77,5 bilhões em 2014 (graças ao lucro líquido de R$ 12,9 bilhões no ano). O acúmulo de PL não faz sentido em um Fundo com as características e o papel do FGTS.

A tendência do FGTS de investir crescentemente em Fundos Imobiliários, debêntures, CRIs e os empréstimos via FIFGTS, que envolvem maior risco que as aplicações em títulos públicos, só se justifica se oferecerem retorno que compense a elevação do risco. Maiores rentabilidades em parte das aplicações deveriam permitir empréstimos habitacionais a taxas de juros menores, mais próximas do custo de captação, e/ou a elevação da rentabilidade dos depósitos, já que a produção de lucro e o acúmulo de PL não devem constituir objetivos em si.

Ainda, a taxa de administração paga anualmente ao seu agente operador, a Caixa, de 1% dos ativos (R$ 3,5 bilhões em 2013), tampouco encontra justificativa neste que é um Fundo compulsório, de grande porte, com baixa exigência de rentabilidade e função social. Esta alta remuneração eleva as despesas operacionais, pressionando as margens e dificultando a concessão de crédito a taxas de juros menores.

A diversificação de aplicações sem a compensação do risco no retorno, a busca pela produção de margens elevadas e aumento de PL e, ainda, a alta remuneração do agente operador que detém monopólio sobre o Fundo são estratégias de gestão que precisam ser revistas e incorporadas na discussão sobre o aumento da rentabilidade para os trabalhadores. O debate centrado exclusivamente no dilema do custo dos financiamentos habitacionais, que não é tão baixo, a partir de 7,16% mais TR, está equivocado.

Não obstante, considerando a estrutura de distribuição de renda e conjuntura econômica atual, a discussão sobre a alteração da correção não pode negligenciar o papel potencial do FGTS para atender famílias que não conseguem financiamento a juros mais elevados. O FGTS é uma instituição da sociedade brasileira, criada com o duplo objetivo de instituir pecúlio para o trabalhador e fomentar a habitação social.

Esta análise indica, infelizmente, que a tendência é de exclusão das famílias que dependem de condições mais acessíveis de crédito para adquirir sua moradia. É hora de centrar os debates sobre o real uso que fazemos da oportunidade criada pelo SFH e suas fontes, que juntas somam quase R$ 1 trilhão, de forma a equacionar os problemas habitacionais do país, que ainda ostenta um déficit superior a 6 milhões de unidades. Voltar índice

(Valor Online - Opinião - 24/08/2015)

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